sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Reabilitação: Programa nacional dinamiza imobiliário

 

Investir na reabilitação urbana é consensual, mas sector sofre com crise transversal do imobiliário. Governo vai lançar plano nacional para agilizar licenciamento e conceder incentivos.

O investimento na reabilitação é consensual, e surge como um das apostas do Governo para estimular a economia em 2011 e atenuar os efeitos da recessão na indústria da construção. O Governo prepara um plano nacional para agilizar licenciamento e conceder incentivos aos promotores.

A criação de uma agência nacional e o lançamento de um programa para a regeneração urbana serão as faces visíveis desse novo desígnio, assumido num documento recente pela própria CIP - Confederação da Indústria Portuguesa. Os agentes aplaudem, entre a esperança e o ceticismo.

 

O desempenho recente da reabilitação dececiona promotores e industriais da construção. O segmento desacelera e imita na queda (15%) o mercado residencial, sofrendo com a crise transversal que afeta o imobiliário.Até ao fim de setembro tinham sido emitidas 3601 novas licenças (4236 em 2009) contra 24600 de habitações novas.

"É incompreensível e inaceitável, face ao estado de degradação das principais cidades", desabafa Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário. Na Europa, o negócio da reabilitação representa metade da produção habitacional. Em Portugal, pesa 18% em valor. Recuperou de mínimos de 2002, mas está ao nível de 1995.

Reis Campos, tal como o estudo da CIP, apela a um programa nacional, com linhas de financiamento e novos sistemas de incentivos, um quadro legal mais ágil nos licenciamentos e a criação de um cluster setorial. O responsável acredita que o impulso do Governo será decisivo.

Cluster em formação

O novo cluster permitia "estruturar a oferta e dar coerência a intervenções que congregam saberes diversificados, organizando uma comunidade empresarial dinâmica", diz o consultor José Marques da Silva, um dos autores do programa da CIP. O documento articula-se com um projeto sobre a regeneração que a União Europeia lançará em 2011.

Numa apresentação do estudo, Marques da Silva estabeleceu uma correlação entre o investimento em reabilitação e a dívida externa dos países da zona euro. Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia surgem na cauda da reabilitação e no topo do clube da bancarrota europeia.

O financiamento não será fator crítico. O consultor argumenta que o "investimento público é marginal" e terá "impacto nulo no endividamento externo". O essencial será reorientar e democratizar o acesso ao QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional - e aproveitar os fundos do Banco Europeu de Investimento.

Alterar o atual paradigma leva tempo e exige um "simplex na reabilitação que organize legislação caótica e contraditória" e elimine os "custos de contexto", diz o consultor. É ainda essencial "pôr o mercado de arrendamento a funcionar". A "vontade política" demonstrada pelo Governo "cria esperança", mas é preciso que não se resuma a "uma medida de marketing político", acrescenta.

Georgetown no Príncipe Real

Quando em 2005 começou a comprar edifícios para replicar no quarteirão do Príncipe Real, em Lisboa, uma operação de requalificação inspirada no que fizera num bairro histórico de Georgetown (Washington) a promotora Eastbanc, de Anthony Lamiré, acreditava que neste momento as obras já estariam a todo o vapor.

A verdade é que o licenciamento está atrasado e o grupo promotor sofre com isso. A banca "apertou no crédito e exige pelo menos 50% de capitais próprios", refere Catarina Lopes, representante da EastBanc. A boa notícia é que os edifícios habitáveis, no universo de 17, "foram fáceis de arrendar e a renda paga o serviço da dívida".

Investir na reabilitação "é sempre um ato de coragem", com a vantagem de "apresentar um produto único em que a chave é a localização", explica a engenheira. Mas as margens do negócio ficam em linha com o mercado em geral. "A crise é transversal a todo o sector imobiliário", sustenta.

Casado com uma portuguesa, Anthony escolhera Lisboa por razões sentimentais e reconheceu na capital "um tecido urbano muito charmoso".

Preços de Monte Carlo

A acção especulativa de intermediários e o preço pedido pelos donos dos prédios nos centros das cidades funcionam como um travão à reabilitação. As próprias sociedades de carácter municipal sofrem com esta ganância.

A RAR Imobiliária, a partir da refinaria de açúcar desativada, concretizou no Porto a maior operação da cidade (17 habitações). A promotora (com projetos de requalificação em Oeiras e Vila do Conde) está ativamente à procura de oportunidades, reconhecendo que o segmento traduz "uma nova tendência estrutural do mercado".

Mas, às vezes, "os preços que nos pedem pelos ativos fazem-nos pensar que operamos em Monte Carlo", diz o presidente José António Teixeira. Os donos dos imóveis "ainda não perceberam que têm de ajustar os preços a uma nova realidade". No Porto, um valor razoável terá de andar pelos €500/m2, para o promotor colocar no mercado à volta dos €2000/m2 - em Lisboa, o preço pode duplicar.

Catarina Lopes recorda que, quando negociou com proprietários, teve de recusar preços "loucos e exorbitantes". Nalguns casos, semanas depois, surgia-lhe um novo interlocutor a sugerir-lhe a transação 10% acima do valor que recusara. Ou seja, houve quem comprasse àqueles preços.

No Porto, a ausência de colégios perto da Baixa força, segundo a RAR Imobiliária, "a centrar os produtos de reabilitação nos solteiros e casais jovens". A margem do negócio, tal como na construção nova, é ditada "pela procura e por se ter o produto certo, adequado ao mercado", diz José António Teixeira.

Impacto de 900 milhões

O investimento em reabilitação, pelo seu efeito virtuoso nas cidades e multiplicador na economia, é dos raros que gera um amplo consenso nacional. O estudo da CIP calcula em €900 milhões de euros o efeito anual na economia de um programa nacional de reabilitação. A fileira da construção e do imobiliário registaria, em 20 anos, 500 mil novos empregos.

No universo de dois milhões de habitações a precisar de reparações, 40% exigem obras profundas. O país, diz Reis Campos, "deve assumir a reabilitação como um desígnio nacional" sensibilizando os privados, reféns "da lógica risco/retorno", a investir num mercado com um potencial de €28 mil milhões.

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